O Serial Killer Salvador ou Libertador
Num espaço escuro e silencioso um homem grita
- "SOCORRO! ALGUĖM!? SOCORRO!"
Vendado, desorientado, agitado, debate-se procurando afrouxar as amarras asfixiantes que o pregam à cadeira.
- "Que se passa!? Que fiz eu!? TÊM O HOMEM ERRADO SEGURAMENTE! Ou é dinheiro que querem? Levem-no todo! O código do meu multibanco é ..."
- "... escusas de continuar que o dinheiro não compra o prazer que tiro ao fazer isto. E asseguro-te que tenho o homem certo exatamente onde ele deve estar."
- "Impossível! Que fiz eu para merecer isto?"
- "Não sei. Mas em breve vamos saber. Só te posso dizer que estavas no local certo quando senti o impulso para fazer isto novamente. E já tenho idade e experiência de vida suficientes para saber que não existem coincidências."
- "Impulso para fazer isto? Isto o quê?"
- "Matar-te ora essa. Mas não te preocupes que não vais sofrer nada. É rápido e limpinho. Nem vão precisar de fazer-te reconstrução para ficares bonito a olhar para as pessoas no velório."
- "Matar-me!? Assim do nada!?"
- "Do nada não. Do meu instinto no momento."
- "Mas eu tenho uma vida pela frente! Tenho família! Mulher, dois filhos que dependem de mim! Por favor deixa-me ir. Juro que não digo nada a ninguém, nem preciso de te ver nem saber onde estou. Deixa-me inconsciente num ermo qualquer que eu oriento-me. Por favor..."
- "Que cliché. Poupa-nos a humilhação. Acomoda-te. Ainda temos tempo."
- "Mas tens tanta gente que podes levar sem que ninguém sinta falta! Vagabundos, criminosos, sei lá! Peço-te por favor..."
- "Ha ha ha! Também vejo essa série na TV. Do gajo que só dá cabo de criminosos. Que tanga. Quando nos dão as ganas não nos interessa quem tem de morrer. Morre e pronto."
- "Filha da puta de vida! Acabar às mãos de um assassino sem qualquer justificação."
- "Gosto mais de ver-me como um salvador ou um libertador. E já te dei a justificação. Apeteceu-me e estavas ali. Era porque tinha de ser."
- "E agora? O que tencionas fazer comigo? Quanto tempo me resta?"
- "Pouco, tenho a dizer-te. Só tens tempo de deixar uma última mensagem que gravarei em vídeo. Uma lembrança para os teus que deixarei junto ao teu cadáver. Chama-lhe a minha assinatura de marca. Digamos que é uma oportunidade que te dou para te despedires desta vida."
Acende-se uma luz ao fundo e é-lhe retirada a venda pelas costas.
- "Olha para a luz da câmara e despede-te."
Num misto de raiva e choro, rendido à situação, o refém anui à macabra gravação. É a única forma de dizer algo aqueles que lhe são próximos. E numa voz embargada discursa para a objetiva.
- "Não sei o que diga... tanto tempo a sonhar com um Euromilhões e o que me sai é isto... é parvo mas a probabilidade deve ser praticamente a mesma... Deixo tantas coisas por fazer, umas sozinho, outras convosco, grandes viagens planeadas para quando tivesse mais tempo, hobbies parvos que me dão gosto apesar de não levarem a lado nenhum, como se isso fosse preciso para praticar um hobby. Querida, ajudei-te tão pouco a criar as crianças... Trabalhei tanto que praticamente só as via acordadas ao fim de semana. Serve-lhes de muito saber que as beijava todas as noites quando chegava e já dormiam... Hão-de ser histórias da carochinha como outras que lhes hás-de ainda contar. Adiei tantos momentos para quando tivesse mais tempo, para quando tivesse mais estabilidade financeira, mais motivação e disponibilidade mental. E percebo agora que não os adiei. Perdi-os para sempre. Não vou ter culpa na minha morte. Mas tudo o que deixei por fazer ou que fiz de mal ainda em vida é culpa minha. Peço-vos desculpa por não ter sido mais presente, mais pleno. Mas é que apesar de os dias passarem tão devagar os anos passam tão depressa... quando dava por mim já tinha perdido oportunidades de imprimirmos boas memórias juntos. Dizia para mim mesmo que compensava na próxima mas depois também essa passava antes de eu me aperceber disso... Amo-vos e só vos peço que não sigam os meus passos. Façam mais coisas, menos planos, tudo o que podem fazer já façam-no, não adiem consecutivamente, obriguem-se a sair do marasmo. Amanhã é sempre outro dia mas ontem, ontem já foi e o que foi e como se foi fica para sempre e não se muda mais. Gostaria de sentir que vos ia fazer mais falta enquanto morto mas tenho perfeita noção que vos fiz muita falta enquanto vivo. Perdoem-me... Beijos, sejam felizes!"
- "Corta!"
A gravação termina e a luz apaga-se.
- "Muy bien, muy bien. Gostei. Pouco lamechas, introspectivo. Assim sim, vale a pena."
- "Vai-te foder! És um serial killer doentio! Não abrirei mais a boca para te dar qualquer tipo de satisfação. Espero que cumpras a tua promessa de entregar essa gravação e que nunca te aproximes deles."
- "Ah valente. A hora da morte dá cá uma descarga de adrenalina e coragem, não é? Não te preocupes que eu cumpro a minha palavra. Bem, vamos ao que importa."
Abrem-se o que parecem ser as portas de uma furgoneta encadeando o refém com a luz solar vinda do exterior. A venda é-lhe recolocada e a cadeira onde se encontra é arrastada até ser jogada para fora, de encontro ao solo. O refém cai desamparado em cima da caruma. O agressor salta da carrinha aterrando com os pés junto à cabeça do homem tombado. Coloca-lhe algo no bolso, e sussurra-lhe ao ouvido
- "Falaste apenas de dias e anos mas esqueces-te que existem também horas, minutos e segundos. Dá-lhes o devido valor e verás que os outros dois serão muito mais proveitosos. O homem que eu queria matar está no vídeo que te deixei no bolso. Foi o homem que se confessou, que no fim queria ser um homem diferente. Espero ser este último quem salvo e liberto agora. Eu disse-te que sou mais um salvador, ou libertador, do que propriamente um assassino. Voltarei sem que saibas quem sou nem quando. Se o homem que se me apresentar à frente fôr o do vídeo, e não o que solto agora, asseguro-te que não haverá segunda oportunidade. Nessa altura conhecerás a minha faceta de assassino que também a tenho."
As amarras são cortadas, pegadas pesadas dirigem-se para a furgoneta, a porta da mesma abre-se e fecha-se após o que arranca calmamente. Quando deixa de se ouvir o refém move-se. Solta-se, retira a venda e ainda espojado no chão verifica estar num ermo qualquer. Ao longe circula uma furgoneta e olhando para ela diz simplesmente
- "Obrigado"
domingo, abril 29, 2012
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Olá... estou-te a ver! Podes falar mal ou falar bem mas com juizinho sff! Beijinho e/ou Abraço