Woman Ironing (inspired by)
"Só mais uns minutos... e a pilha de roupa desaparece... por hoje...
Depois basta-me despachar o jantar e dar banho ao meu neto. Hoje finalmente vou conseguir dormir 6 horas. Amanhã pego cedo ao trabalho para conseguir sair a horas de arrumar a casa do Sr. Dr. Quando chegar aqui a casa trato da roupa do meu filho e da minha nora.
Coitados, mesmo desempregados a vida é um corropio e falta-lhes o tempo para estas coisas. Agoram treinam caminhadas para ir a Fátima rezar por uma vida com menos dificuldades. Também o queria fazer mas não posso... não posso...
Para a semana recebo e é a dobrar, estamos na altura do subsídio de Natal. Vou saldar a dívida dos toques de telemóveis. É caríssimo mas cá por casa todos o adoram e gosto de os ver felizes.
No mês que vem já devo conseguir comprar a roupa que o meu filho precisa. Só a Gant lhe assenta bem, que se vai fazer? Enquanto tiver forças lutarei por todos eles. São a minha família e só lhes quero dar o melhor.
Para o Natal não sei como vai ser... com esta lista que me deram... mas qualquer coisa se há-de arranjar! Trabalho mais um bocadinho e deixo para o ano aquele miminho para mim.
Dá-me gosto fazer este esforço por eles porque sei, não, minto, TENHO A CERTEZA, que um dia quando eu já não puder mais serão eles que vão tratar de mim com o dobro daquilo que faço por eles hoje. Sim, é isso, tenho a certeza..."
Nisto solta-se uma lágrima que cascata pelo rosto até se desprender da queixada aterrando na base do ferro quente que lhe responde com um simples "Pffffffffffffffffffffffffffffffffffffffffffffffffffffffffff"
sábado, novembro 20, 2010 | Etiquetas: História Curta | 2 Comments
A Fotografia Perdida
Aguardo na praça, entre o jardim e a igreja, que os meus companheiros escolham alguns souvenirs de entre as obras de arte dos artistas locais na feira de candonga improvisada. Estou apenas ali, encostado a uma grade fria e rija sentido aquelas cores, sons e cheiros.
De súbito no banco vazio em frente a mim acomoda-se um anónimo.Aparenta ser mais um mas de repente surpreende-me. Adopta uma posição de semi-abertura de pernas, braços abertos estendidos sobre a tábua de encosto, e a cabeça reclinada para trás de forma a ser banhada pelos raios de luz que rasam a sombra que lhe cobre o resto do corpo.
Veste umas sandálias que prendem os pés com três tiras, uns calções esfarrapados e uma t-shirt temática da qual não me lembro o tema. A barba está semi-cerrada e usa uns óculos escuros seguramente com idade similar à sua que andará à volta dos 50s e muitos. Numa das mãos, a sua direita que está à minha esquerda, estende um charuto aceso que fumega por vontade própria.
Será um turista? Será um vagabundo? Será um dos habitantes locais?
De repente por detrás de uma das lentes escuras escorre uma lágrima que provoca um reflexo brilhoso. Uma única lágrima a partir do seu olho direito, que ainda está à minha esquerda. Grossa e contínua, pára junto à sua narina crescendo de volume devido ao caudal.
Uma mosca pousa-lhe na face esquerda, essa sim à minha direita, e percorre-lhe os pêlos esbranquiçados. Ele nada! Imóvel, sereno. "Que fotografia perfeita!", penso eu. "Tiro-a?". Mas tenho a máquina pendurada junto ao estômago que já formiga com a ideia de captar aquela imagem única cheia de contrastes. Um aparente vagabundo, com um toque aristocrático e fashion dados pelos charuto e óculos escuros, seguidos pela melancolia da lágrima e apatia da mosca.
Hesito...ele está a dois metro de mim... vai ouvir o click... como reagirá? Terei o direito de lhe invadir este momento? Mas a imagem é de uma perfeição tal sobre uma condição humana que faria a delícia de todos com quem a partilhasse. Talvez até fosse premiada, quem sabe?
Respiro fundo e carrego no botão da máquina para a ligar. Ouve-se um simples e doce Tzzzzzzz da objectiva a colocar-se em posição e ele move-se. Olha em redor passando os olhos por mim por 2 ou 3 segundos. Pausa e volta a recolocar-se na sua posição mágica. Tzzzzz acobardo-me, ou respeito-o, e desligo a máquina. Resigno-me com o facto de que serei o túmulo deste momento irrepetível.
Em todo este tempo nem uma baforada foi dada no charuto e a lágrima ainda lá está. Já a mosca, essa foi-se.
PS - não o fotografei (este é outro qualquer) mas escrevi-o.
sábado, novembro 13, 2010 | Etiquetas: Crónica (ou género disso), História Curta | 5 Comments
Escrito de Fresco porquê?
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